As lágrimas explodem impiedosamente pelas pálpebras cerradas e o coração está estraçalhado em milhões de pequenos fragmentos, que como um cristal, jamais poderão ser colados.
Ela tem esperança de que aquilo tudo seja uma brincadeira de mal-gosto e que ele vá levantar-se a qualquer momento para dizer-lhe que voltou. Voltou pra ela. Voltou por ela. Os minutos passam e a cada tique do ponteiro ela realiza que aqueles olhos não voltarão a brilhar outra vez.
Ela é amparada pelas pessoas ao redor, que não a deixam aproximar-se dele. Ele está ali. Está a poucos centímetros, mas por mais que ela tente não consegue tocá-lo. A multidão se multiplicou e ela ouve gritos desesperados ao seu redor. Ela não grita. O seu silêncio é a única testemunha da sua dor. As pessoas falam com ela, mas ela não responde. E num segundo tudo vira treva.
Enquanto ela é levada dali, as lágrimas escorrem pelo seu rosto desacordado. E assim foi até a hora em que ela finalmente desperta.
A fronha do travesseiro e as suas roupas estão ensopadas de água salgada. Sentindo-se tonta ela põe as mãos na cabeça a pára a pensar.
O homem ao seu lado espera pacientemente. Voltando a si ela olha o velho senhor e ele simplesmente assente positivamente com a cabeça, respondendo àquela pergunta tácita. As lágrimas brotam dos olhos com ainda mais intensidade do que antes, se é que isso é possível.
A menina está sozinha.
Flashes de memórias fazem com que a sua dor seja física. Ela abraça-se tentando amenizar o vazio que já não pode ser preenchido. As pessoas tentam fazer com que ela reaja de alguma forma, mas suas forças vitais parecem ter sido levadas com ele. E eles tentam e tentam.
Então, com um último suspiro ela levanta-se do seu ninho de escuridão e comparece na celebração mais fúnebre que sua alma pode agüentar.
E o homem fala coisas sobre o céu e terra. E o homem fala sobre amizade e amor. Por fim, o homem diz as palavras que ela espera, mas não quer ouvir.
“ELE SE FOI”.
Ela não quer acreditar. Ela precisa acreditar. Ela tem que vê-lo mais uma vez.
Pedidos e suplicas não são o bastante, ele não está mais aqui é o que todos dizem.
Eu vou voltar, ele disse naquele momento final. E ela vai esperar o tempo que for, mesmo que este tempo seja uma vida.
O destino não tem sido justo com a pobre menina. Roubou seus planos e seus sonhos. Ela não pode continuar. Não sem ele.
Sozinha, sob a sombra da macieira ela lembra o dia em que o conheceu, das mãos deles entrelaçadas e do último abraço. Ela não quer lembrar. Mas é impossível com seus nomes entalhados no tronco da árvore. Ela lembra desse dia também e de como as folhas caíam no início do outono. E dos olhos cor-de-mel e de como ele abria os braços esperando que ela chegasse.
Ela quer que seja real. E quer poder segurar sua mão mais uma vez.
O Senhor aproxima-se tão devagar que ela nem percebe. Estendendo-lhe a mão ele pede que ela o acompanhe. Ainda enxugando os olhos molhados ela confessa seus devaneios mais secretos. Eles caminham em direção ao salão.
As mesas estão cheias e os alunos riem e brincam uns com os outros. Só parecem lembrar-se do acontecido quando ela está presente - já faz dois meses que isso se repete - e nesse momento o Senhor a conduz por entre as cadeiras. O silêncio predomina o ambiente. Segundos depois de saírem do salão já se pode ouvir as vozes novamente.
Param em frente a uma porta que com um clic abre-se para eles. Entram. O escritório é repleto de livros. Uma mesa de mogno está colocada no centro do cômodo. O Senhor, então, empurra a estátua de gesso sobre a mesa e uma porta abre-se ao lado do espelho.
Eles entram e caminham por um longo corredor estreito e mal iluminado. Chegam a uma câmara subterrânea que possui apenas uma fonte com um chafariz no centro. A água azul brilha como se mil cristais estivessem misturados a ela.
A menina não entende nada do que está acontecendo. O Senhor aproxima-se dela e entrega-lhe uma moeda de prata. Ela a pega e o homem sai da câmara deixando-a sozinha com as suas dúvidas.
Hipnotizada pelo brilho da água ela vai até a beira da fonte. De perto era ainda mais bonita e brilhante. No fundo, havia apenas mais uma moeda. Ela finalmente olha para o objeto de prata em sua mão e percebe que há uma inscrição.
“SEU DESEJO MAIS PROFUNDO VIVERÁ POR UM SEGUNDO”
Ela, agora, sabia o que devia ser feito. Fecha os olhos e com toda a esperança que ainda lhe resta, joga a moeda na fonte. Ela espera. Nada acontece. Nenhum sinal, nenhuma luz, nada.
Seu desejo não ia ser realizado, afinal. Isso é tudo uma bobagem. Por que eu ainda estou aqui?, ela pergunta-se.
De repente uma voz chama por seu nome. Ele reconhece o timbre que muitas vezes a fez dormir. Vira-se e ele está ali. Ele está com a sua fita vermelha amarrada no pulso, exatamente como ela havia deixado.
Ele sorri.
Ela corre e pára a centímetros de seu corpo. Ela está com medo de que seja irreal e de alguma forma é. Pela primeira vez ela receia tocá-lo.
Ainda sorrindo ele pega a mão da menina. O abraço é inevitável. Os dois corpos formam um encaixe perfeito. Palavras não podem descrever a onda de sentimento presente. Ele encosta a boca no ouvido dela e sussurra:
“EU VOLTEI POR VOCÊ”
Ela nada diz e beija-lhe os lábios. As lágrimas começam a escorrer por suas bochechas rosadas. O fôlego acaba e as bocas afastam-se procurando oxigênio. Ele toca-lhe o rosto e diz olhando em seus olhos:
“SEJA FELIZ”
Ela pisca lentamente recuperando o ar enquanto ele desaparece dos seus braços como névoa de uma manhã fria.
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