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Primiro Capítulo:
O encontro
Senti um ar gelado percorrer meu corpo e meu abracei tentando amenizar o arrepio. Por que eu não tinha pegado o casaco? A mãe disse que podia esfriar de noite. Eu vestia uma blusa surrada e um jeans velho. Meu All Star azul era bem eficiente nesses dias em que eu precisava caminhar tanto. Além do frio súbito – estávamos na primavera e fazia calor – não percebi nada de diferente. Mas ele já me acompanhava, mesmo antes de eu notar.
Distraída eu trocava de música no MP3 insatisfeita com a rádio local. Os fones estavam com um volume bem alto, por isso eu não ouvia os ruídos da rua já quase deserta.
Ele me seguia com passos calmos e contados, numa velocidade constante. Para os outros pedestres ele aparentava passear calmamente olhando as vitrines das lojas com as grades fechadas. Porém para mim não seria apenas isso.
Eu pensava em várias coisas enquanto ouvia Tiago Iorc no volume máximo. Eu pensava nas provas de fim de semestre, nos trabalhos atrasados, nas fotos não reveladas, nas contas a serem pagas... E em como tudo isso era insignificante diante daquele céu imenso. Eu até esbocei um sorriso quando vi uma estrela cadente e fechei os olhos para fazer um pedido. Nesse momento tropecei num pedaço de concreto solto da calçada e fui caindo quase em câmera lenta.
No segundo em que eu ia bater no chão senti duas mãos grandes e frias segurarem meu braço e cintura, impedindo que eu me esborrachasse no cimento. Por ato reflexo me segurei com toda força naquele par de braços e me joguei contra o seu corpo num impacto constrangedoramente forte. Atônita, eu não sabia se ria, chorava ou agradecia a pessoa que me tinha “salvado” desse quase tombo.
Percebendo que ainda estava em seus braços, me afastei rapidamente. Com as bochechas rosadas de vergonha eu ensaiava mentalmente um agradecimento satisfatório. No momento em que eu ia respirar pra começar a me desculpar, finalmente olhei para aquele rosto até então desconhecido e emudeci.
Ele estava parado com as mãos nos bolsos, me olhando fixamente. Aqueles segundos foram os mais longos da minha vida. Meu coração pulava dentro do peito e eu nem sabia se ainda era por causa do susto. Ele sorriu – os dentes eram impecavelmente brancos e brilhantes – e disse:
— Você devia tomar mais cuidado com essas calçadas. Eu posso não estar perto da próxima vez.
A voz dele era a melodia perfeita para os meus ouvidos e foi como um estalo para eu voltar à realidade.
— É... muito obrigado – eu disse completamente inebriada – e eu vou tomar mais cuidado sim.
Comecei a andar para o lado oposto ao que eu vinha anteriormente. Então ele me chamou:
— Moça, você deixou cair.
Caramba, eu nem tinha visto o MP3 voar do meu bolso junto com os fones. Me virei e andei na sua direção com a melhor cara que eu pude fazer. Ele me entregou o aparelho.
— Você realmente tem um péssimo gosto – ele disse zombando de mim.
— É... todos temos defeitos, mas podia ser pior! – falei sorrindo sem graça e voltando a caminhar.
— Realmente, eu podia ter te deixado cair – (ele estava debochando?)
Parei e voltei a olhar pra ele. Eu estava confusa com todo aquele poder de atração.
— Bem, muito obrigado mais uma vez – falei meio tonta – você me poupou de um constrangimento absurdo.
— Não precisa agradecer, o prazer foi todo meu. Além do mais não tem mais ninguém por aqui – a voz dele transbordava na minha cabeça.
Só agora eu percebia que a rua estava completamente vazia. Ainda bem. Provavelmente ninguém tinha visto a minha estabanação.
— É mesmo – respondi com uma surpresa quase exagerada.
Eu queria sair dali rápido, mas algo mais forte me impedia de deixá-lo. Olhei para os lados, zonza, parecia que eu tinha bebido. Percebendo a minha aparente confusão pisquei meus olhos e respirei profundamente tentando amenizar aquela sensação estranha.
Ele, então, sorriu o sorriso mais lindo que eu já vi na vida me estendeu a mão.
— Caius, muito prazer.
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